O brasileiro nunca enviou tanto dinheiro para o exterior, aproveitando a facilidade das novas contas em dólar e euro e com a ampliação da busca por investimentos lá fora. Segundo dados do Banco Central, só em 2022, US$ 4,7 bilhões (R$ 22,5 bilhões) foram mandados por pessoas físicas para outros países. O número representa um salto de 22% em relação a 2021 e de 63% em relação a 2019. E o número continua alto este ano: no primeiro trimestre, foram mais de US$ 1 bilhão (R$ 4,8 bilhões) enviados ao exterior, patamar próximo ao do ano passado.
Esse crescimento reflete um movimento que tem se intensificado no País nos últimos anos, facilitado pela tecnologia, pelos avanços trazidos pelas fintechs e também por uma legislação mais amigável. Se antes enviar recursos para um parente estudando no exterior, por exemplo, era uma tarefa cheia de burocracia, isso hoje está ao alcance de alguns toques no celular. Já são várias as instituições financeiras, de todos os portes, que oferecem contas em moeda estrangeira, que facilitam esse tipo de operação — e de muitas outras.
Para quem vai viajar ao exterior, também ficou muito mais fácil comprar a moeda aos poucos, aproveitando cada momento favorável, e ir deixando na conta — já que nem é mais necessário se deslocar até uma casa de câmbio. Além disso, as contas em moeda estrangeira trazem o benefício da compra da moeda pelo câmbio comercial, e não pelo turismo.
Mas boa parte desse dinheiro enviado ao exterior tem ido também para investimentos. São pessoas buscando a segurança de uma moeda mais estável. E, se antes esse era um movimento restrito às pessoas muito ricas, dada a dificuldade e a burocracia de se fazer essas aplicações, isso hoje está aberto a praticamente qualquer pessoa.
É o caso do publicitário aposentado Walter Nascimento. Ele começou a investir seu dinheiro no mercado americano motivado pelo receio do futuro do País e da potencial desvalorização do seu capital. “Separei uma parte do dinheiro que tinha para investir fora do País. Eu tinha dinheiro aplicado em fundos de investimentos, saquei e mandei para os Estados Unidos. A situação financeira do Brasil me dá medo, porque não consigo ver perspectiva de melhora”, diz.
Com alguns milhares de dólares investidos, Nascimento considera aplicar mais dinheiro no exterior, especialmente quando fechar a venda de um imóvel. “Lá, eu consigo um ganho real em uma moeda forte”, afirma.
Roberto Lee, cofundador e CEO da Avenue; corretora foi criada para facilitar a entrada de brasileiros no mercado americano Foto: Avenue/Divulgação
Essa tendência de dolarização da carteira de investimentos tem levado mesmo os grandes bancos brasileiros a apostarem nesse nicho. Foi isso que levou o Itaú, por exemplo, a adquirir a Avenue, uma corretora criada por brasileiros para facilitar a entrada no mercado americano, seja em ações, títulos de índice ou em renda fixa. A empresa estima que R$ 1 trilhão de recursos de brasileiros devem chegar só aos Estados Unidos na próxima década.
Carlos Ambrósio, diretor-geral da Avenue no Brasil, diz que os clientes da empresa mandam o dinheiro para as conta dolarizadas buscando diversificação de investimentos, um plano de aposentadoria ou mesmo para ter um dinheiro adicional para uma viagem ou um curso.
“Podemos pensar que o dólar é arriscado, mas o investimento no Tesouro americano não é mais arriscado do que no brasileiro. Fora isso, a moeda que é volátil é o real, e não o dólar. Os investidores têm entendido que o investimento em dólar é algo que pode ser seguro com uma carteira conservadora”, diz Ambrósio.
Também de olho nesse aumento do apetite do brasileiro por enviar dinheiro a outros países, a fintech britânica Revolut desembarcou no Brasil em 2023, após cerca de um ano de preparação e estudo do mercado. A estratégia da empresa é baseada na conta global, que permite a conversão do real para diferentes moedas e facilita a gestão da vida financeira dos usuários.
Glauber Mota, CEO da Revolut, quer transformar a empresa no único aplicativo de serviço bancário do brasileiro Foto: Gabriel Reis /Revolut
Para Glauber Mota, CEO do Revolut no País, esse interesse por enviar dinheiro ao exterior aumentou com as turbulências na economia brasileira nos últimos anos, que levaram o dólar a passar da casa dos R$ 3,80, no final de 2018, para o patamar de R$ 5,30 no início deste ano.
Tecnologia e simplificação
Celso Filho, gerente de produto de câmbio na Sinqia, especializada em tecnologia para o setor financeiro, diz que um dos maiores entraves para as instituições financeiras oferecerem formas de enviar dinheiro ao exterior, seja para investimentos ou para ter uma carteira global, era o fluxo de operações de valores baixos. Porém, o Banco Central facilitou esse tipo de registro recentemente.
“Os bancos grandes tinham problemas com essas remessas massivas. Algumas fintechs com tecnologia feita do zero conseguiram operar essas remessas, mas elas não podiam registrá-las no Banco Central. Agora, isso mudou”, diz.
A empresa vê potencial de crescimento na oferta de produtos relacionados ao câmbio tanto nos bancos quanto nas fintechs e demais companhias do ramo financeiro. Por isso, já preparou uma solução para a operação complexa que acontece por trás da interface simples dos aplicativos para celular. “A tecnologia da Sinqia permite lidar com 100 mil ou um milhão de operações por dia”, diz.
A Dock (antiga Conductor), que também fornece tecnologia bancária para contas globais, prevê aumento de demanda por esse tipo de solução no mercado brasileiro nos próximos meses e anos. Porém, a empresa acredita que o serviço deve ser ofertado mais a clientes de renda mais alta.
“O C6 Bank foi o primeiro com a nossa solução, mas agora o Bradesco também vai lançar a conta deles usando o nosso suporte tecnológico”, diz o CEO da Dock Antonio Soares. O cartão de débito do Bradesco, bandeira Visa Plus, será aceito em 200 países.
Com o novo marco cambial do Banco Central, que entrou em vigor em dezembro, essas mudanças no mercado de câmbio devem ser ainda mais aprofundadas. Segundo os especialistas, as novas regras criaram um ambiente ao qual as empresas ainda estão se adaptando para oferecer produtos e serviços aos consumidores.
Com a mudança na legislação, o Banco Central passou a permitir, por exemplo, que as instituições financeiras abram contas em outras moedas, em vez de ter bancos abertos em outros países para atender aos clientes brasileiros. O inverso também vale. Passou a ser possível ter contas em real no exterior.
Para as pessoas físicas, uma das principais novidades é a possibilidade de negociar a compra ou venda de dólares de pessoa para pessoa, com limite de até US$ 500 por operação. Além disso, o valor que pode ser transportado por pessoas em viagens internacionais passou de R$ 10 mil para US$ 10 mil (R$ 47,9 mil).
*Estadão
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